sexta-feira, 22 de maio de 2020

FEITICISMO - ANGOLA


História e Cultura: Feiticismo
Mam’etu Nibojí (*)
 

Os Portugueses, desde os primeiros contatos com os povos negro-africanos, pensaram que estes adoravam feitiços e ídolos. Filipo Pigafetta e Duarte Lopes, na sua “Descrição do Reino do Congo”, publicada em 1591, afirmavam: “E vimos inúmeros objetos, pois cada qual adorava o que mais gostava, sem regra nem medida, nem razão de qualquer espécie…
Escolhiam como deuses cobras, animais, pássaros, plantas, árvores, diversas figuras de madeira e pedra, e imagens que representavam estes seres já enumerados, pintadas ou esculpidas em madeira, pedra ou outro material… Os ritos eram variados, mas todos cheios de humildade, como, por exemplo, ajoelhar-se, prostrar-se de rosto em terra, cobrir a face com pó suplicando ao ídolo e fazendo-lhe oferenda dos bens mais estimados. Também tinham bruxos que os enganavam fazendo crer a esses ignorantes que os ídolos falavam”.

Se se deve reconhecer que estes europeus nada entenderam da mentalidade religiosa negra e fizeram juízos precipitados e apriorísticos, tão pouco podemos aceitar estas palavras de Max-Müller que também enfermam de preconceitos: “Porque é que os portugueses cristãos à maneira quase pagã dos católicos do século passado reconheceram nos negros da Costa de Ouro a presença de feitiços?… É que eles próprios estavam familiarizados com o feitiço, com o amuleto e o talismã. É provável que todos levassem consigo rosários, cruzes e imagens benzidos pelos seus sacerdotes…

E assim, quando viam um indígena apertando em seus braços alguma grosseira obra de arte, guardando com zeloso cuidado uma pedra brilhante, ou talvez se prostrando em oração diante de ossadas religiosamente conservadas na sua cabana, que mais natural que supor haver ali relíquias sagradas, algo semelhante aos seus próprios feitiços? Não descobrindo outros vestígios de um culto religioso, era muito natural que concluíssem que esses testemunhos exteriores de marcado respeito aos feitiços constituíam toda a religião do Negro”.

Vem-se chamando feiticismo ao conjunto de crenças, cultos e ritos dos negros de África que tem por objetivo a adoração de objetos, materiais, os feitiços ou “gris-gris”.

A palavra Feiticismo apareceu pela primeira vez, como termo científico e descritivo, em 1760 e num livro intitulado “Do culto aos deuses, feitiços ou paralelo da antiga religião do Egito com a religião atual da Nigrícia”. É seu autor Charles De Brosses.

Em sua opinião, a teologia pagã ocupava-se do culto aos astros, um sabeísmo, ou “do culto não menos antigo de certos objetos terrestres e materiais chamados feitiços, entre os negros africanos, entre os quais subsiste este culto e que, por tal razão, eu chamaria feiticismo…

Em seu significado próprio refere-se em particular aos negros de África”…

Compte, ao aceitar a existência do Feiticismo, reforçou a crença de que os negros eram feiticistas. O Feiticismo traz consigo um significado pejorativo com conotações de baixa moralidade e índice mental inferior, além de se apresentar confuso em sua definição e conteúdo.

Feiticismo deriva do vocábulo português “feitiço”, que por sua vez vem das palavras latinas “fatum, fari”, ou de “factitius”, isto é, objetos “feitos à mão”, “coisas feitas, artificiais”, com significado e encanto mágicos e que, além disso, são objetos de culto.

Durante muito tempo, antropólogos e etnólogos creram “que a forma mais baixa de religião é o feiticismo, e que, descendo mais, já não há nada que se possa designar com tal nome, e que, por conseguinte, pode-se considerar o feiticismo como o princípio mesmo da religião”.

C. Meiners, na “História crítica das religiões”, 1860, não tinha dúvidas em afirmar: “É inegável que o feiticismo não é apenas o culto mais antigo, mas também o mais universal”.

Hoje já não se pode defender que o feiticismo tenha sido a forma primitiva de religião. Ele aparece como um desenvolvimento secundário, precedido em toda a parte e acompanhado de crenças religiosas muito elevadas e desenvolvidas. “Mais que isso, todos os indícios tendem a provar precisamente o contrário: que o feiticismo não foi nunca mais que um desenvolvimento parasitário que tem antecedentes que o explicam, e que nunca foi o primeiro culto do coração humano”.

“Se não está provado, e talvez convenha dizer que é impossível provar, que nunca, nem em África nem em nenhuma outra parte, o feiticismo tenha sido a primeira forma de religião, tão pouco se provou que, quer em África, quer em qualquer outra parte, tenha alguma vez constituído toda a religião de um povo”.

Além disso, se por Feiticismo se quer significar adoração de feitiços, afirmar-se-ia uma falsidade. O banto crê nos habitantes do mundo invisível e na sua influência, mas nunca adora nada fora de um Deus único. Não é idólatra. O etnólogo haitiano Emmanuel C. Paul observa que De Brosses “como bom cristão, viu deuses em toda a parte entre os “selvagens”, e pensou que a revelação estava reservada a um pequeno número de pessoas “civilizadas”. Desta forma, contribuiu para dar ao século XIX a visão que ele tirou das religiões negras, isto é, a de um politeísmo grosseiro baseado na magia e na bruxaria”.

Só se pode falar de Feiticismo banto, se por isso se entende o uso e imploração a feitiços. Os feitiços, são objetos fabricados pelo homem, habitados por uma força vital manipulável para atacar ou defender-se, proteger ou propiciar, que os, converte em objetos mágico-eficazes, sacralizados e dinâmicos. Por isso, denominar por Feiticismo o conjunto de crenças banto equivale a definir o todo por uma das partes, e não a mais importante. É verdade que possuem feitiços, mas só como um meio de praticar a magia, que por sua vez é uma conseqüência da sua ontologia-dogma. A designação de Feiticismo não tem qualquer significado para os banto, além de ser desproporcionada. Designa apenas, e sem exatidão, um aspecto parcial da sua Religião. “É necessário prescrever para sempre este termo, que não quer dizer nada”.

Fonte: ALTUNA Raul,Cultura Tradicional Banto

(*) Elizabeth B.Azevedo é graduada em Ciências Econômicas e pós-graduada em Matemática Financeira. Iniciada no candomblé em 1986, filha de Danguesu, neta de Saralandu, bisneta de Kianvulu e atualmente filha do Tumbalê Junçara-BA.

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