sábado, 25 de julho de 2020

OS GUERREIROS JAGAS


História e Cultura: Os Guerreiros Jagas
Mam’etu Nibojí(*)
Assim como os Zulus, outra nação que se notabilizou pela experiência guerreira foi a Nação Jaga.

Comumente acusados de bárbaros e antropófagos, os Jagas têm sua origem controvertida. Ralph Delgado (1946), por exemplo, escreve:

“Merecem registro algumas opiniões coesas, emitidas a respeito dessas tribos aguerridas e bárbaras. Battel, vivendo entre os Jagas no primeiro decênio do século XVII, afirmou ser impossível, a Duarte Lopes, possuir um conhecimento perfeito da origem dos Jagas, pois os Cristãos, nessa época, apenas sabiam o que incertamente se conjeturava, a tal respeito. Disse, ainda, que os Portugueses lhes chamavam Jagas, enquanto eles se denominavam, a si próprios, de Imbengalas, provindo da Serra Leoa; que eram grandes comedores de carne humana, pela qual recusavam a de vaca ou cabra, não possuindo morada fixa; e que uma horda de 12.000 negros, sob o comando de Ebembe, se instalara em Benguela, doze graus ao sul da zona, aqui reinando e prosperando.

Duarte Lopes emitiu a opinião de que os Jagas, também chamados Jindes, vieram de ‘Monemuji’, Leste de Angola, na região dos lagos nascentes do rio Nilo. Cavazzi, por sua vez, escreveu que os Jagas, ou Sumbis, apareceram no Congo, em meados do século XVI, capitaneados por Zimbo, que se apossou do Reino, dividindo o seu exército em grupos conquistadores de diferentes regiões. Um desses grupos, chefiados pela sua mulher, a feroz Temba-Ndumba, caminharia até a Serra Leoa; outro, comandado por Quizuva, lugar-tenente do chefe, largaria à conquista de Moçambique, sendo batido em Tete, pelos portugueses. Correndo em auxílio de Quizuva, Zimbo, a princípio vitorioso, foi batido em Melinde, após o que transpôs o Zambeze, vindo estabelecer-se nas margens do Cunene, na região do Humbe, formando a hipótese de Capelo e Ivens.Ravenstein, finalmente, apoiado em Douville, considerou o vocábulo Jaga ou Jaka como título guerreiro e não como nome de um povo; acrescentando que os bandos antropófagos incluíam elementos de toda a espécie, não diferindo muito dos Zulus, daqui provindo um dos nomes porque eram conhecidas em Angola: Bângalas. Parecendo esta interpretação mais ajustada à verdade dos fatos, a hipótese de que os Anzicos, também antropófagos, participassem da onda avassaladora do Congo, frisada no texto, não se apresenta com cores inaceitáveis de fenômeno problemático, antes como certeza incontroversa, corroborada pela seguinte passagem do Copiador de Angola, de 1779, do Arquivo Colonial: “Os Jagas de Anzica, juntos com outros povos bárbaros que ficam ao oriente dela, assaltaram repentinamente, devastando, queimando e destruindo quando encontraram, e obrigaram o rei do Congo, chamado D. Álvaro a refugiar-se, com os seus que o quiseram seguir, em parte onde pudesse escapar à fúria dos inimigos”.

Por volta de 1570, vindos do Congo (Almeida, 1978), os Jagas chegam a Matamba, onde se misturam à população local, dando origem ao povo Imbangola ou Imbangala e constituindo os reinos de Huíla (capital Huíla) e Humbi (capital Mutano). E de Matamba, ao sul de Anzico, descem para “o país do jaga Caçanje, separado de Benguela pelo Alto Cunene” (Capelo e Ivens II).

No final do século XV o jaga Zimbo, rei de Matamba teria conquistado o Ndongo e entregue a seu filho, originando-se, aí, a linhagem da Rainha Nzinga. E quem isto afirma é Roy Glasgow (1982) que, baseado em relatos antigos, assim descreve os Jagas a suas técnicas militares:

“Os Jagas eram imponentemente altos e atacavam seus inimigos com facas, lanças, arcos e flechas, azagaias e escudos. Eram táticas militares cujo artifício operacional era a surpresa. As mulheres Jagas não criavam seus filhos, mas os abandonavam nos bosques, adotando no lugar deles, adolescentes capturados na guerra. Estes alcançavam a liberdade e a virilidade, trazendo a cabeça de um inimigo a seu general.” Observe-se, aqui, que o texto de Glasgow se baseia em escritos quinhentistas portugueses em que os exageros e a ótica racista são constantes. Mas deixemo-lo prosseguir: “Os Jagas viviam em acampamentos muito bem vigiados, os quilombos. A competência profissional e a disciplina eram mantidas por meios de freqüentes (provavelmente diários) exercícios militares. (…)”

“Os Jagas selecionavam com cuidado seu acampamento de guerra, escolhendo de preferência uma localidade perto de um precipício. A seleção da localidade era responsabilidade de seu general, e dos chefes religiosos, que subseqüentemente supervisionavam a construção do acampamento circular, cercado de doze fortes estacas, cada uma vigiada por um capitão e que proporcionava a base de um elaborado sistema de segurança.”

Veja-se, aí, como a descrição de Glasgow se parece com as que temos sobre os quilombos de Palmares, no Brasil. E isto nos leva a pensar como já vimos páginas atrás com D. Oruno D. Lara, na possibilidade da origem jaga dos chefes palmarinos.

(*) Elizabeth B.Azevedo é graduada em Ciências Econômicas e pós-graduada em Matemática Financeira. Iniciada no candomblé em 1986, filha de Danguesu, neta de Saralandu, bisneta de Kianvulu e atualmente filha do Tumbalê Junçara-BA.

Compartilhe isso:

CONCEITO DE TEMPO


História e Cultura: NTÂNGU – Conceito de Tempo
Kambamenha
Lokula (lo) – A hora

O Mukongo se serve do sol (ntângu) para fixar e ordenar seu tempo. Ele distingue a partir da posição do sol, das horas principais (lo biangudi), e das horas intermediárias ou secundárias lo biandwelo, (bianzâmbuka). Assim, existem oito horas no sistema Kôngo que é baseado no conceito cosmológico descrito no N’KONGO YE NZA YAKU-N’ZUNGIDILA: NZA KONGO (FU-KIAU, 1969).
 As quatro horas principais – lo biangudi, correspondem às quatro cores cósmicas principais e aos quatro pontos principais de marcação dessa cosmogonia. Isso aqui não é somente Kôngo mas, há muitos pontos de vista comum a todos os povos Bantu em particular e africanos em geral.

A primeira hora principal é Nseluk’a ntângu ou mais simplesmente n’suka / nseluka (manhã/levantar). A nseluka é a hora correspondente à kala – ser, o símbolo da vitalidade (fogo) que reanima toda vida. A nseluka é a hora de reviver ku nseke, na comunidade do mundo acima, o mundo físico. É a hora onde o responsável da comunidade, o mfumu-dikanda, passa em revista todas as famílias – mabuta (plural de buta), para se assegurar de sua boa saúde e sobretudo, se elas estão bem acordadas, despertas com força – sikama ye ngolo. Nseluka é também chamada a hora de meditação e de profecia pois ela une e separa o dia e a noite – bunda ye vambisa mwini ye futu. É a hora onde os membros da comunidade fazem visitas aos doentes (vûnga mbevo – visitar doentes). É a hora testemunha das atividades diurnas e noturnas. Nseluka é a hora de emergência à vida – lo kia nsensolo a biobio ku moyo. Notemos aqui ligeiramente que a palavra nsensolo, da raiz verbal sènsa – desenvolver-se, elevar-se a partir de um líquido, é uma palavra importante na linguagem simbólica Kôngo.

 A segunda hora principal do sistema horário Kôngo é a Ntângu – a – mbata ou Kunda, correspondente ao Tukula, o vermelho. É a hora de peso, de importância – lo kia dema, a hora densa quando tudo acontece. Toda vida busca refugio para escapar ao peso do tempo. É a hora do majestoso princípio de vida – lo kia n’kingu-nzâmbi , a hora do princípio-deus. É a hora simbólica da autoridade sagrada na comunidade, aquela do mfumu-dikanda e de todos os simbi bia nsi, os gênios sociais. É a hora do ”autocontrole”.

Entre essas duas primeiras horas principais há a primeira hora secundária ; é a kinsâmina, Mayanama ou Ntângu-a-kedi. Kinsâmina ou Mayanama é a hora de pequeno sol, kinsâmina, quando os anciãos saem de sua casa para se oferecer ao pequeno sol yanama; é também a hora onde os coletores de nsamba – o soro, a seiva vegetal produto da palmeira de óleo, se encontram com seus clientes no sokolo. É o momento onde se bebe esse soro africano, único no mundo. Durante essa hora se rende homenagem aos ancestrais pelo ritual de Tafuna makazu com a noz de cola, kazu, que tem um papel importante. Em seguida as aldeias ficam quase desérticas porque cada um se entrega à sua tarefa do dia.

Kinsâmina, em nossa tradição – kinkulu, era também, como ela é ainda hoje, a hora favorável para resolver as discussões ou todas as questões concernentes ao interesse da comunidade e de seus membros.

A terceira hora principal do sistema horário Kôngo é a ndimina, o pôr do sol. Essa hora corresponde ao luvemba, da raiz verbal “vemba”, tornar-se cinzento (falam de cavalo), branquear, envelhecer, ser enfraquecido psiquicamente pelo fato de luvemba – elemento negativo causa da velhice e da morte psíquica. A luvemba é então ela mesma o símbolo da morte, quer dizer, de mudança. É a hora onde a natureza está abandonada às forças e princípios invisíveis que lhe insuflam uma nova vida para o dia seguinte. É também nesse momento que se abrem às portas de mpemba, o mundo dos ancestrais, para conduzir as almas dos mortos. É a hora onde todo mundo se encontra sob o abrigo comunitário na aldeia para partilhar a refeição do começo da noite n’lekolo (de leka – dormir), refeição que se opõe ao m’buluku (de buluka ; kika vumu – meter qualquer coisa como um calo pelo estômago) a refeição da manhã. Ndimina é a hora dos “masamuna, n’samuni” ou “n’tambikisi”- dos gritos e das grandes transmissões orais – “lo mu loguka tambula ye tambikisa mu kanda ye mu kinvuka “ (a hora de se adquirir essa arte de receber e transmitir na comunidade e na sociedade).

Como nseluka, ndimina é também uma hora de mediação. Ndimina é a hora de submergência de tudo pela morte psíquica (lo kia ndiâmunu a biabio). Notemos aqui que as palavras ndimina e ndiâmunu, respectivamente de raízes verbais dimina e diâma – submergir, descer sob a água – são palavras importantes na linguagem simbólica Kôngo. Nós retornaremos a esse assunto também.

Entre a segunda e terceira horas principais há a segunda hora secundária, a nsinsa, m’ vèngo ou ntângu-malemba. A nsinsa ou malemba é a hora quando as instituições como Lemba terminam seu horário diário do kongo (aqui a palavra kongo significa lugar da instituição, chamada também kânga ou lônde) para recuperar, depois dessa vida esotérica de kânga (kôngo, lônde), a vida comum na comunidade. Mas é também a hora quando as entradas das aldeias devem ser abençoadas – lemba mafula ma vata, para evitar os perigos enquanto a comunidade dorme. É a hora quando os n’songi – coletores do nsâmba – soro vegetal, retornam de sua atividade, mu kwenda vutula mbele. Para os caçadores – nkongo (não confundir com n’kôngo o habitante do país Kôngo), é a hora de n’kôndo, a caça individual.

A quarta hora principal é a dingi-dingi ou n’dingu-a-nsi. A dingi-dingi é a hora que corresponde ao musoni (o amarelo). É o meio ku mpemba – o mundo de baixo (o mundo das profundezas, o mundo dos ancestrais). A dingi-dingi – da raiz verbal dinga e dingalala (buscar tudo estando calmo interiormente), é a hora dos mistérios insondáveis . Ela é considerada como o momento de grandes sonhos e de pensamentos profundos. É a hora da nsûsil’a simbi bia kanda kwa kanda (quando os membros da comunidade têm acesso através dos sonhos, aos dons geniais). É a hora do n’tu-tolo – o subconsciente; lit. a cabeça ativa no sono. O sentido literal da expressão “n’dingu-a-nsi” é “maneira de buscar o mundo”, o cosmos. Para aqueles que buscam (dinga) a kindoki (ciência) principalmente, n’dingu-a-nsi é a hora da plena e profunda atividade no silêncio (dinga mu dingalala). Porque a kindoki (ciência) operava e opera sobre as coisas profundas e num silêncio quase total, os biyinga – os não iniciados na matéria, têm uma certa desconfiança dela e a têm considerado finalmente, assim como a autoridade, como anti-comunitária, tal nos explica esse provérbio Kôngo: “Luyâlu ye kindoki m’vângi ye m’bungi mia kânda” – a autoridade e a ciência constroem e destroem a comunidade. A autoridade e a ciência, mesmo de nossos dias, como os Kôngo o tem exposto na sua filosofia, são os maiores fatores de construção e destruição da sociedade humana e do mundo no qual nós vivemos. Não é surpreendente que a terminologia “kindoki” tenha perdido seu sentido de Ciência. A experiência tem mostrado, mesmo em nossos dias, que as palavras de uma língua mudam os significados conforme as épocas, as atitudes dos dirigentes e seus efeitos sobre a vida comunitária. Por causa dos abusos dos políticos em certos países africanos, a palavra “política” tem perdido seu verdadeiro sentido depois da independência e se revestido de um sentido muito pejorativo. Para mais de 85% de africanos, a política, “poluka” como os Kongo a chamam, é a arte de enganar, de roubar e matar. Jamais um mukongo nos diria que a política, tal qual nós a vivemos hoje em África, seria sinônimo de seu conceito de kinzonzi.

 A autoridade e a ciência tornam-se prejudiciais à comunidade quando elas operam nas câmaras negras sem a participação comunitária. Trabalhar no n’dingu-a-nsi não quer dizer agir fora do plano de suas responsabilidades humanas e comunitárias, mas tentar descobrir, pela reflexão, aquilo que o homem ignora, para assegurar mais paz no mundo.

Entre a terceira e quarta horas principais se acha a terceira hora secundária que é a malu-ma-tulu ou malu, hora do sono. A malu-ma-tulu é a hora em que cada indivíduo é tido como ser presente em seu aposento, ou no kiânzala (o pátio) ou no mbongi (cabana), a casa pública onde se discutem todas as questões de ordem política, religiosa, sócio-econômica, filosófica, diplomática, etc. Antes dessa hora, o mfumu-dikanda – chefe líder da comunidade, passa em revista todas as famílias da comunidade e pergunta a cada um se todos os seus membros (bièla) estão presentes. Do contrário ele ordena a seus “bilesi” (militantes) de conduzir imediatamente uma sindicância – dia matèmbo, langa. O chefe não poderá dormir antes de ter adquirido a certeza que o membro procurado se encontra bem na comunidade.

Se o desaparecido não for encontrado depois do ndîlu a matèmbo, o chefe ordena então aos bindôkila, chamada de alarme lançada em todas as direções em torno da aldeia, “mafula ma vata”. Se os binomial não dão resposta o chefe se informa junto aos que viram o membro ausente por último durante a jornada – mwîni e da direção para a qual ele teria ido- lusunga lukatadisîngi. Esses indícios lhe permitem pedir à comunidade em última fase de ”kwika binga” (apanhar fogo) e ir através os campos e florestas, à procura do membro declarado desaparecido. Entre esse tempo o telegrafista – siki kia nkônko (tambikisi kia n’samu mu minika ye miningu) envia suas mensagens nas comunidades próximas e afastadas para lhes perguntar se não teriam visto “mbadio”- palavra utilizada, entre outras, para dizer um tal, X). Toda comunidade desde que consegue captar a mensagem é obrigada a responder por o kansi ka tumweni ko (quando não o viram) ou por va kaviôkele ou va kena, se o viram passar por ali ou se ele está ali. A arte de enviar os sinais e as mensagens é um dos mais perigosos em nossas tradições uma vez que pode custar a vida do telegrafista se a mensagem não é corretamente transmitida. Enviar uma mensagem que anuncia a morte de um chefe em lugar da gravidade de seu estado, por exemplo, seria um crime. Em tais circunstâncias o telegrafista é sofrível à pena capital: ser enterrado vivo antes de tendo de confessar publicamente os erros técnicos graves, que podem paralisar não somente a vida da comunidade mas também a de seus aliados.

Entre a quarta e a primeira horas principais tem a quarta hora secundária, a makielo, também chamada makielo – ma – bwisi ou nkala mpumbu. Makielo é a hora dos emissários, dos mensageiros, das grandes viagens assim como aquela dos ataques e das guerras (lo kia mumbwila ye mvita). Ela é também considerada como a hora de saudar (aos doentes) na comunidade, de mvûngulu a bakindakana ye mbevo mu kanda ye zinga – visita aos doentes. É nesse momento aí que o mfumo-dikanda faz suas invocações matinais e ordena os ataques sociais – ta bibila – contra as comunidades (kanda) onde ele desposou mulheres. Freqüentemente essas bibila são acompanhadas dum grande número de instrumentos musicais – mpungi, ngôngi, vudinga, tânda, ngoma, bandi, nsiba, minsiele, etc. É a hora de bênçãos para certas comunidades mas também uma hora cheia de problemas e angústias para aqueles quando busi bia kanda – as irmãs da comunidade têm problemas sérios para elas próprias ou para suas crianças nas suas comunidades temporárias, onde elas vivem com seus maridos: doenças de crianças, infidelidade do marido, doença da mulher, tentativa de envenenamento do marido, etc. A comunidade permanente da mulher pode ser atacada por aquela de seu marido por uma dessas razões. É em tais circunstâncias que a kinzonzi kongo, sua dialética, nos fornece a informação da mais rica, dinâmica e viva, sobretudo na utilização da canção – n’kinga, do provérbio – nganga, do slogan – kumu, de comissões ou grupos de busca – mfûndu e da participação popular muito ativa.

Makielo, é a hora testemunha do recomeço espiral do tempo e dos fenômenos naturais no curso de sua evolução permanente. A concepção de tempo-hora (lôkula), de tempo-período (tando) e do mundo (nza) seria impossível ao mukôngo como a todos os povos africanos sem esse conceito muito claro do sol, sua máquina-tempo.

Texto original em francês

Autor – FU-KIAU -Tradução para o português – Valdina Pinto

Compartilhe isso: