sábado, 25 de julho de 2020

CONCEITO DE TEMPO


História e Cultura: NTÂNGU – Conceito de Tempo
Kambamenha
Lokula (lo) – A hora

O Mukongo se serve do sol (ntângu) para fixar e ordenar seu tempo. Ele distingue a partir da posição do sol, das horas principais (lo biangudi), e das horas intermediárias ou secundárias lo biandwelo, (bianzâmbuka). Assim, existem oito horas no sistema Kôngo que é baseado no conceito cosmológico descrito no N’KONGO YE NZA YAKU-N’ZUNGIDILA: NZA KONGO (FU-KIAU, 1969).
 As quatro horas principais – lo biangudi, correspondem às quatro cores cósmicas principais e aos quatro pontos principais de marcação dessa cosmogonia. Isso aqui não é somente Kôngo mas, há muitos pontos de vista comum a todos os povos Bantu em particular e africanos em geral.

A primeira hora principal é Nseluk’a ntângu ou mais simplesmente n’suka / nseluka (manhã/levantar). A nseluka é a hora correspondente à kala – ser, o símbolo da vitalidade (fogo) que reanima toda vida. A nseluka é a hora de reviver ku nseke, na comunidade do mundo acima, o mundo físico. É a hora onde o responsável da comunidade, o mfumu-dikanda, passa em revista todas as famílias – mabuta (plural de buta), para se assegurar de sua boa saúde e sobretudo, se elas estão bem acordadas, despertas com força – sikama ye ngolo. Nseluka é também chamada a hora de meditação e de profecia pois ela une e separa o dia e a noite – bunda ye vambisa mwini ye futu. É a hora onde os membros da comunidade fazem visitas aos doentes (vûnga mbevo – visitar doentes). É a hora testemunha das atividades diurnas e noturnas. Nseluka é a hora de emergência à vida – lo kia nsensolo a biobio ku moyo. Notemos aqui ligeiramente que a palavra nsensolo, da raiz verbal sènsa – desenvolver-se, elevar-se a partir de um líquido, é uma palavra importante na linguagem simbólica Kôngo.

 A segunda hora principal do sistema horário Kôngo é a Ntângu – a – mbata ou Kunda, correspondente ao Tukula, o vermelho. É a hora de peso, de importância – lo kia dema, a hora densa quando tudo acontece. Toda vida busca refugio para escapar ao peso do tempo. É a hora do majestoso princípio de vida – lo kia n’kingu-nzâmbi , a hora do princípio-deus. É a hora simbólica da autoridade sagrada na comunidade, aquela do mfumu-dikanda e de todos os simbi bia nsi, os gênios sociais. É a hora do ”autocontrole”.

Entre essas duas primeiras horas principais há a primeira hora secundária ; é a kinsâmina, Mayanama ou Ntângu-a-kedi. Kinsâmina ou Mayanama é a hora de pequeno sol, kinsâmina, quando os anciãos saem de sua casa para se oferecer ao pequeno sol yanama; é também a hora onde os coletores de nsamba – o soro, a seiva vegetal produto da palmeira de óleo, se encontram com seus clientes no sokolo. É o momento onde se bebe esse soro africano, único no mundo. Durante essa hora se rende homenagem aos ancestrais pelo ritual de Tafuna makazu com a noz de cola, kazu, que tem um papel importante. Em seguida as aldeias ficam quase desérticas porque cada um se entrega à sua tarefa do dia.

Kinsâmina, em nossa tradição – kinkulu, era também, como ela é ainda hoje, a hora favorável para resolver as discussões ou todas as questões concernentes ao interesse da comunidade e de seus membros.

A terceira hora principal do sistema horário Kôngo é a ndimina, o pôr do sol. Essa hora corresponde ao luvemba, da raiz verbal “vemba”, tornar-se cinzento (falam de cavalo), branquear, envelhecer, ser enfraquecido psiquicamente pelo fato de luvemba – elemento negativo causa da velhice e da morte psíquica. A luvemba é então ela mesma o símbolo da morte, quer dizer, de mudança. É a hora onde a natureza está abandonada às forças e princípios invisíveis que lhe insuflam uma nova vida para o dia seguinte. É também nesse momento que se abrem às portas de mpemba, o mundo dos ancestrais, para conduzir as almas dos mortos. É a hora onde todo mundo se encontra sob o abrigo comunitário na aldeia para partilhar a refeição do começo da noite n’lekolo (de leka – dormir), refeição que se opõe ao m’buluku (de buluka ; kika vumu – meter qualquer coisa como um calo pelo estômago) a refeição da manhã. Ndimina é a hora dos “masamuna, n’samuni” ou “n’tambikisi”- dos gritos e das grandes transmissões orais – “lo mu loguka tambula ye tambikisa mu kanda ye mu kinvuka “ (a hora de se adquirir essa arte de receber e transmitir na comunidade e na sociedade).

Como nseluka, ndimina é também uma hora de mediação. Ndimina é a hora de submergência de tudo pela morte psíquica (lo kia ndiâmunu a biabio). Notemos aqui que as palavras ndimina e ndiâmunu, respectivamente de raízes verbais dimina e diâma – submergir, descer sob a água – são palavras importantes na linguagem simbólica Kôngo. Nós retornaremos a esse assunto também.

Entre a segunda e terceira horas principais há a segunda hora secundária, a nsinsa, m’ vèngo ou ntângu-malemba. A nsinsa ou malemba é a hora quando as instituições como Lemba terminam seu horário diário do kongo (aqui a palavra kongo significa lugar da instituição, chamada também kânga ou lônde) para recuperar, depois dessa vida esotérica de kânga (kôngo, lônde), a vida comum na comunidade. Mas é também a hora quando as entradas das aldeias devem ser abençoadas – lemba mafula ma vata, para evitar os perigos enquanto a comunidade dorme. É a hora quando os n’songi – coletores do nsâmba – soro vegetal, retornam de sua atividade, mu kwenda vutula mbele. Para os caçadores – nkongo (não confundir com n’kôngo o habitante do país Kôngo), é a hora de n’kôndo, a caça individual.

A quarta hora principal é a dingi-dingi ou n’dingu-a-nsi. A dingi-dingi é a hora que corresponde ao musoni (o amarelo). É o meio ku mpemba – o mundo de baixo (o mundo das profundezas, o mundo dos ancestrais). A dingi-dingi – da raiz verbal dinga e dingalala (buscar tudo estando calmo interiormente), é a hora dos mistérios insondáveis . Ela é considerada como o momento de grandes sonhos e de pensamentos profundos. É a hora da nsûsil’a simbi bia kanda kwa kanda (quando os membros da comunidade têm acesso através dos sonhos, aos dons geniais). É a hora do n’tu-tolo – o subconsciente; lit. a cabeça ativa no sono. O sentido literal da expressão “n’dingu-a-nsi” é “maneira de buscar o mundo”, o cosmos. Para aqueles que buscam (dinga) a kindoki (ciência) principalmente, n’dingu-a-nsi é a hora da plena e profunda atividade no silêncio (dinga mu dingalala). Porque a kindoki (ciência) operava e opera sobre as coisas profundas e num silêncio quase total, os biyinga – os não iniciados na matéria, têm uma certa desconfiança dela e a têm considerado finalmente, assim como a autoridade, como anti-comunitária, tal nos explica esse provérbio Kôngo: “Luyâlu ye kindoki m’vângi ye m’bungi mia kânda” – a autoridade e a ciência constroem e destroem a comunidade. A autoridade e a ciência, mesmo de nossos dias, como os Kôngo o tem exposto na sua filosofia, são os maiores fatores de construção e destruição da sociedade humana e do mundo no qual nós vivemos. Não é surpreendente que a terminologia “kindoki” tenha perdido seu sentido de Ciência. A experiência tem mostrado, mesmo em nossos dias, que as palavras de uma língua mudam os significados conforme as épocas, as atitudes dos dirigentes e seus efeitos sobre a vida comunitária. Por causa dos abusos dos políticos em certos países africanos, a palavra “política” tem perdido seu verdadeiro sentido depois da independência e se revestido de um sentido muito pejorativo. Para mais de 85% de africanos, a política, “poluka” como os Kongo a chamam, é a arte de enganar, de roubar e matar. Jamais um mukongo nos diria que a política, tal qual nós a vivemos hoje em África, seria sinônimo de seu conceito de kinzonzi.

 A autoridade e a ciência tornam-se prejudiciais à comunidade quando elas operam nas câmaras negras sem a participação comunitária. Trabalhar no n’dingu-a-nsi não quer dizer agir fora do plano de suas responsabilidades humanas e comunitárias, mas tentar descobrir, pela reflexão, aquilo que o homem ignora, para assegurar mais paz no mundo.

Entre a terceira e quarta horas principais se acha a terceira hora secundária que é a malu-ma-tulu ou malu, hora do sono. A malu-ma-tulu é a hora em que cada indivíduo é tido como ser presente em seu aposento, ou no kiânzala (o pátio) ou no mbongi (cabana), a casa pública onde se discutem todas as questões de ordem política, religiosa, sócio-econômica, filosófica, diplomática, etc. Antes dessa hora, o mfumu-dikanda – chefe líder da comunidade, passa em revista todas as famílias da comunidade e pergunta a cada um se todos os seus membros (bièla) estão presentes. Do contrário ele ordena a seus “bilesi” (militantes) de conduzir imediatamente uma sindicância – dia matèmbo, langa. O chefe não poderá dormir antes de ter adquirido a certeza que o membro procurado se encontra bem na comunidade.

Se o desaparecido não for encontrado depois do ndîlu a matèmbo, o chefe ordena então aos bindôkila, chamada de alarme lançada em todas as direções em torno da aldeia, “mafula ma vata”. Se os binomial não dão resposta o chefe se informa junto aos que viram o membro ausente por último durante a jornada – mwîni e da direção para a qual ele teria ido- lusunga lukatadisîngi. Esses indícios lhe permitem pedir à comunidade em última fase de ”kwika binga” (apanhar fogo) e ir através os campos e florestas, à procura do membro declarado desaparecido. Entre esse tempo o telegrafista – siki kia nkônko (tambikisi kia n’samu mu minika ye miningu) envia suas mensagens nas comunidades próximas e afastadas para lhes perguntar se não teriam visto “mbadio”- palavra utilizada, entre outras, para dizer um tal, X). Toda comunidade desde que consegue captar a mensagem é obrigada a responder por o kansi ka tumweni ko (quando não o viram) ou por va kaviôkele ou va kena, se o viram passar por ali ou se ele está ali. A arte de enviar os sinais e as mensagens é um dos mais perigosos em nossas tradições uma vez que pode custar a vida do telegrafista se a mensagem não é corretamente transmitida. Enviar uma mensagem que anuncia a morte de um chefe em lugar da gravidade de seu estado, por exemplo, seria um crime. Em tais circunstâncias o telegrafista é sofrível à pena capital: ser enterrado vivo antes de tendo de confessar publicamente os erros técnicos graves, que podem paralisar não somente a vida da comunidade mas também a de seus aliados.

Entre a quarta e a primeira horas principais tem a quarta hora secundária, a makielo, também chamada makielo – ma – bwisi ou nkala mpumbu. Makielo é a hora dos emissários, dos mensageiros, das grandes viagens assim como aquela dos ataques e das guerras (lo kia mumbwila ye mvita). Ela é também considerada como a hora de saudar (aos doentes) na comunidade, de mvûngulu a bakindakana ye mbevo mu kanda ye zinga – visita aos doentes. É nesse momento aí que o mfumo-dikanda faz suas invocações matinais e ordena os ataques sociais – ta bibila – contra as comunidades (kanda) onde ele desposou mulheres. Freqüentemente essas bibila são acompanhadas dum grande número de instrumentos musicais – mpungi, ngôngi, vudinga, tânda, ngoma, bandi, nsiba, minsiele, etc. É a hora de bênçãos para certas comunidades mas também uma hora cheia de problemas e angústias para aqueles quando busi bia kanda – as irmãs da comunidade têm problemas sérios para elas próprias ou para suas crianças nas suas comunidades temporárias, onde elas vivem com seus maridos: doenças de crianças, infidelidade do marido, doença da mulher, tentativa de envenenamento do marido, etc. A comunidade permanente da mulher pode ser atacada por aquela de seu marido por uma dessas razões. É em tais circunstâncias que a kinzonzi kongo, sua dialética, nos fornece a informação da mais rica, dinâmica e viva, sobretudo na utilização da canção – n’kinga, do provérbio – nganga, do slogan – kumu, de comissões ou grupos de busca – mfûndu e da participação popular muito ativa.

Makielo, é a hora testemunha do recomeço espiral do tempo e dos fenômenos naturais no curso de sua evolução permanente. A concepção de tempo-hora (lôkula), de tempo-período (tando) e do mundo (nza) seria impossível ao mukôngo como a todos os povos africanos sem esse conceito muito claro do sol, sua máquina-tempo.

Texto original em francês

Autor – FU-KIAU -Tradução para o português – Valdina Pinto

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