segunda-feira, 5 de abril de 2021

MUTALO

 Divindades: Mutalo

Texto de João Vicente Martins, revisado por Mam’etu Nibojí (*)
Mutalo é o espírito das pessoas que são mortas pelos feiticeiros, sem que Nzambi mande. Este ordena-lhes, então, que regressem aos seus corpos nas sepulturas mas dá-lhes, à noite, a faculdade de matar quem eles bem entenderem.
Mutalo apresenta-se na forma de um pigmeu. Visto de longe, é preto; de perto, parece ser feito de nevoeiro sem qualquer outro dedo, em cada mão ou pé, que não seja o indicador.

Cheira muito mal, tem os pés virados ao contrário e chora como as crianças. Durante a noite, entra nas casas das pessoas e come a matamba (guizado de ervas cozidas e picadas) e o pirão, de que gosta muito, e bebe toda a água que estiver em copos ou panelas. É por isso que os Tutchokwe não deixam água nem matamba em tais recipientes, pois pode o Mutalo tocar-lhe e, se depois alguém comer ou beber os restos, morrerá. Geralmente também não comem a horas adiantadas da noite, pois que, desta forma, algum Mutalo que estiver perto, comeria com eles sem que disso se apercebessem, senão depois do seu cheiro característico lhes invadir as narinas. Isto se dá por que todos os espíritos se tornam invisíveis ou visíveis quando querem. Desta forma, as pessoas poderiam morrer se o Mutalo metesse o seu maligno dedo na comida.

Mutalo anda sempre com o katemo (enxada), que tinha quando morreu e com o qual mata quem quiser. Como ele mata muita gente, quando começa a morrer elevado número de pessoas e alguém diz tê-lo visto na aldeia, é chamado o tahi ou kabuma (Nganga), que vai ver todas as sepulturas até encontrar a do morto que Nzambi transformou em Mutalo e que, por tal motivo, seu corpo se mantém intacto. O tahi verifica isto por um pequeno orifício, qual toca de rato, existente sobre a sepultura e tapado ao centro com um bocadinho de capim seco. O kabuma, então, passa um remédio que só ele conhece, constituído por um pó que traz num recipiente, pela testa dele, dos seus dois ajudantes e daquele que lhe foi mostrar o cemitério(1) . Em seguida, sopra um pouco do mesmo pó, na direção da sepultura, onde nesse momento, se produz um ruído estranho comparado com fortes rajadas de vento. Então o kabuma avança para a sepultura dizendo: Hola-ku, hola-ku (cala-te, cala-te). O ruído extingue-se guando o kabuma deita a terceira porção de pó no orifício tapado com a erva seca. Feito isto, seus ajudantes fazem ao lado da sepultura uma grande fogueira e outros desenterram o cadáver do suposto Mutalo, que aparece sentado a chorar. Se for mulher apresenta-se com a cabeça coberta de mukundu(2). Logo que o desenterram, este diz: Kutche nu neza kuno hanga nu-ngu-chehe naw? Nganga ka-ngu-chehie kulo? (para que vêm aqui matar-me outra vez se o feiticeiro já me matou há muito tempo?).

O kabuma, como resposta, lança-lhe mais um pouco de pó mágico e diz-lhe: Holá-ku, ku myaka yeswe (cala-te para sempre). Nesse momento, o cadáver do suposto Mutalo decompõe-se, ficando apenas o esqueleto que é lançado pelo kabuma na fogueira, onde é reduzido a cinzas. Parte destas guarda-se para fazer o remédio com que matará outros espíritos malignos.

No fim de tudo isto, o kabuma mata o cabrito que o chefe da aldeia, por ele libertada do Mutalo, lhe dá; come-lhe o coração e o resto da carne distribui aos habitantes do sexo masculino moradores da aldeia; as mulheres se comessem aquela carne ficariam estéreis.

O kabuma permanece ainda algum tempo na aldeia e quando se vai, recebe três cabeças de caprino como recompensa.

Quando alguém é apanhado pelo Mutalo e não morre, são-lhe feitos exorcismos junto a um rio.

(1) Dizemos cemitério porque eles enterram os corpos em qualquer parte, exceto os chefes que o são em suas casas ou no cruzamento dos caminhos, sentados em suas cadeiras, ou nos leitos dos rios.

(2)Refere-se aos toucados de argila que as mulheres tutchokwe, e de diversas outras tribos, usavam antigamente.

Fonte: Martins, João Vicente – Crenças, Advinhações e Medicina Tradicionais dos Tutchokwe do Nordeste de Angola.

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