quinta-feira, 24 de julho de 2014

TRADIÇÃO DE CULTUAR

O CULTO À AJUNSUN NO CALUNDÚ DO OBITEDO DE CACHOEIRA
O NASCIMENTO DO TERREIRO DE ÒSÙMÀRÈ 5 de dezembro de 2012 às 02:52
Mais que centenária, a história da Casa de Òsùmàrè, inicia-se muito antes da edificação do atual templo, à Av. Vasco da Gama. O primórdio deste que é um dos mais tradicionais e respeitados Candomblés do Brasil, remonta-nos ao final do século XVIII, à antiga cidade de Kpeyin Vedji, localidade africana ao noro este de Abomey, conhecida e respeitada pelo conglomerado de Sacerdotes do Culto à Axósu (Ajunsun). É nessa longínqua província onde nasceu a semente do que anos mais tarde, tornar-se-ia o que hoje conhecemos como Sociedade Cultural, Religiosa e Beneficente São Salvador, ou simplesmente Casa de Òsùmàrè.
Com aproximadamente dez anos de idade, uma criança cujo nome era Talabi, é encaminhada de Kpeyin Vedji ao porto de Eko (atual cidade de Lagos, na Nigéria), de onde embarcaria rumo ao Brasil na condição de escravo.    Mas, mesmo diante da ferrenha repressão imposta pelos brancos, Talabi preserva sua fé e cultura, não olvidando-se de suas origens africanas e, sempre que possível, reverenciando seus Deuses e Ancestres, tornando-o dessa forma, reconhecido e admirado em meio aos negros de Salvador.   Ao longo de sua juventude, Talabi adquiriu fama de poderoso curandeiro entre os negros.
Já liberto, Talabi passa a viver como comerciante, estabelecendo ligação com as cidades do Recôncavo Baiano, em especial, com Cachoeira, onde teria mais tarde, um importante papel na construção da religiosidade desta cidade. Com intenso comércio com a cidade de Cachoeira, nasce um importante vínculo com outro africano liberto, Belchior Rodrigues Moura, do grupo etnolingüístico Ewe-Fon, portanto Jeje.   Com o advento desta importante amizade, no início do século XIX, por volta de 1820 nasce também o Culto à Ajunsun, no chamado Calundú do Obitedo, que ocorria sempre nos meses de outubro. Ao longo do tempo, essas manifestações religiosas, ocultas à luz dos brancos, foram ganhando notoriedade entre o povo de origem africana, abarcando dessa forma, outros negros nessa confraria que representa a estruturação primordial da ascendência religiosa do Candomblé de Òsùmàrè, em Salvador.  
Neste local, denominado Calundú do Obitedo, Talabi começa a apresentar de forma mais contundente seus dotes como grande sacerdote e líder religioso entre os negros.   
Em 1.836, Talabi adquire a sua primeira propriedade, na Rua das Grades de Ferros. Neste local, Talabi enceta a pedra fundamental do Culto em Salvador, até então, restrito à cidade de Cachoeira. Em pouco tempo, sua fama já adquirida no recôncavo é também constatada em Salvador, sendo que, em 15 de outubro de 1.845, não por acaso, mês do culto à Ajunsun, Talabi cumpre as determinações dos Òrìsàs e, dá mais um importante passo na sua trajetória religiosa, comprando uma propriedade na Cruz do Cosme. Surge então, a primeira edificação estruturada do Ilé Òsùmàrè Asè Ogodo, local onde de forma oficial, Talabi realiza o Culto às Divindades Africanas.  
Após solidificar raízes na Cruz do Cosme, Talabi transforma seu Terreiro não somente em uma casa de Asè, mas sim, num espaço de resistência negra e resgate familiar. Determinado e sendo um homem de posses, começa a “comprar escravos”, única maneira de responder legalmente pelos filhos de santos que abarcava nos seios da Casa de Òsùmàrè.   Líder religioso visionário criou uma espécie de congregação, na qual cada filho de santo seu, deveria trabalhar de modo que pudesse “comprar” mais escravos, ou seja, “libertar novos filhos de santo” para o crescimento do culto aos Òrìsàs.  
Ainda em 1.846, na Cruz do Cosme, Talabi inicia os dois filhos do seu grande amigo Belchior Rodrigues Moura. A saber: José Maria Belchior (com 9 anos) e Antônio Maria Belchior (com 6 anos). Os dois tornar-se-iam Zé do Brechó e, Antônio das Cobras, o fundador do Xwe Seja Hunde e, futuro sucessor da Casa de Òsùmàrè, respectivamente.   A confiança de Belchior Rodrigues Moura, em entregar a iniciação de seus filhos à Talabi, evidencia uma vez mais, o reconhecimento da elevada recognição religiosa deste ilustre sacerdote.  
Ante a avançada idade de Talabi, a Casa de Òsùmàrè passa a ser administrada por Antônio Maria Belchior (Salakó, iniciado para Dada Bayànnì), popularmente conhecido como Antônio das Cobras, Damásio Joaquim Ricardo (Doyin, filho de Ibeji) e Olavo Joaquim Ricardo (Salami, filho de Òsàlá), sendo os dois últimos filhos consangüíneos de Talabi.   Com aproximadamente 90 anos, em 20 de junho de 1.865, Talabi parte para o Orùn, sendo sepultado em Freguesia de Santo Antônio Além do Carmo, conforme determinação do mesmo, assinada em testamento.   Talabi morreu Agba (ancião) e Lese Òrìsà (aos pés do Òrìsà), fato plausível diante de todos os percalços invariáveis da época, sobretudo para um negro liberto.
A longevidade de Talabi, aliada aos prósperos negócios que mantinha, fortifica a predestinação do mesmo em cumprir a missão de trazer e disseminar no Brasil, a milenar cultura africana do Culto aos Òrìsàs.   Desta forma, a festa de Ajusun realizada no Terreiro de Òsùmàrè no último sábado, dia 20 de outubro, além da obvia homenagem à Divindade do Fundador da nossa Casa é, igualmente, a prova contundente da manutenção do legado daquele que, mesmo diante de todos e invariáveis problemas oriundos da escravidão, perpetuou uma história, uma cultura, uma tradição religiosa que hoje, é mantida com honra, fé e determinação por nosso amado Pai Pecê.   
Assim sendo, participamos à todos, uma antiga frase originária ainda em Kpeyin Vedji, na qual ilustra de forma ímpar o destino do nosso Pai Talabi: Axosu Ze Me Do Du Talabi (Talabi! Aquele Que Ajunsun Escolheu para Ser Rei!).  
Que Òsùmàrè Aràká pelo dia de hoje, olhe por todas as pessoas que verdadeiramente acreditam no poder dos Deuses Africanos.  
Terreiro de Òsùmàrè.  
Àse.