quinta-feira, 21 de maio de 2020

A CHEFIA BANTU


História e Cultura: A Chefia Bantu
Mam’etu Nibojí (*) 
Há um aspecto cultural muito relevante relativo aos Chefes banto. Esta hierarquia exata baseia-se no direito ancestral e numa concepção religiosa e profana simultaneamente. Participa da sacralidade que impregna esta sociedade.

O Chefe desempenha uma função fundamental no grupo. Como pessoa mais qualificada e vitalmente mais poderosa, é o guia necessário da comunidade e o guarda das suas tradições e da sua coesão. As estruturas sócio-político-religiosas devem ser analisadas a partir de um fundamento carismático com apoio gerontocrático. A sociedade banto desconhece os limites entre estes três campos. Não aparecem interferências descontroladas. As motivações religiosas, como veremos, marcam o ritmo e caracterizam a sua mentalidade. Segundo esta concepção sacral, o Chefe é um carismático. Constitui, com os notáveis e anciãos, o grupo mais autorizado, o estrato social mais prestigioso e como instituição presidida por um “enviado carismático”, dirige, pensa, solidariza, vigia e procura o bem da comunidade.

O Chefe atingiu o maior escalão vital de que um mortal é capaz. A sua proximidade-união com a vida, que, de Deus, passa pelos antepassados desde o eponimo (transformar em deuses os personagens reais ou lendários), realiza essa plenitude. O eponimo prolonga-se no Chefe, que continua a vida de todos os antepassados do grupo, a personifica e a torna visível. Quem vê o Chefe contata com a vida que arrancou do eponimo, e contempla este e os outros antepassados. É o canal de conexão direta com a corrente vital ancestral. Por ele a comunidade realiza a participação vital na fonte genuína. “Entre o Chefe e o organismo social que está abaixo dele existe um laço místico”.

Por isso a chefia pertence à linhagem que a comunidade reconhece com autenticidade de sangue e maior antiguidade. Só pode ser Chefe quem prove por sua ascendência que descende em linha direta, do fundador do grupo. Só ele reúne as condições inatas que confirmam a sua predestinação para patriarca, sacerdote, juiz, protetor e condutor da comunidade.

O Chefe, prolongação dos antepassados, é o seu mandatário, o seu representante oficial e a sua viva voz. Sintetiza e reúne todo o grupo. Ocupa o vértice da pirâmide do mundo visível, porque é o sangue, e, até certo ponto, o espírito dos Chefes anteriores, e atua sob a sua influência. Torna-se assim passado e presente. Participará, de algum modo, da vida do mundo invisível.

Os antepassados exigem uma linha sucessória direta, pede-a a sabedoria dos anciãos e é indispensável para o equilíbrio social, garantido pela observância escrupulosa da tradição. Só assim o grupo sobreviverá com prosperidade.

O Chefe torna-se assim o mais fiel depositário do repertório sagrado de ritos e costumes, herança sábia e inviolável que roda pêlos séculos.

O direito banto está ligado a dois expoentes básicos: a terra e o sangue. Na primeira descansam os antepassados, fonte de vida, sabedoria e exemplo de virtudes; sacralizada por esta presença, entrega com generosidade os alimentos. O sangue representa algo de mais profundo e transcendente, por ser a expressão e o vínculo da vida, princípio imanente, a própria razão de ser do grupo, que se desenvolve, cresce e frutifica através das apertadas regras da consangüinidade e do parentesco. A conservação desta linha sucessória, sacralizada, assegura precisamente a continuidade indestrutível de atitudes, crenças, gestos e comportamentos.

Em resumo, o Chefe é o sangue e o espírito dos antepassados, prolongamento e depósito comunicante do dinamismo vital, pessoa sagrada, responsável pela comunidade perante os antepassados, seu delegado por capacidade e eleição e sua encarnação, pois que, por intermédio dele, vivificam a comunidade. Por isso nele pode habitar algum antepassado, e muitos conservam a caveira do seu antecessor e as dos Chefes proeminentes, para que, magicamente, lhes conservem a vitalidade, pois que a cabeça é a parte mais sagrada do Chefe.

Fonte: ALTUNA Raul, Cultura Tradicional Banto

(*) Elizabeth B.Azevedo é graduada em Ciências Econômicas e pós-graduada em Matemática Financeira. Iniciada no candomblé em 1986, filha de Danguesu, neta de Saralandu, bisneta de Kianvulu e atualmente filha do Tumbalê Junçara-BA.


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