sábado, 29 de agosto de 2020

NZINGA MBANDI (RAINHA GINGA).

 

História e Cultura: Nzinga Mbandi – 1580-1663
No dia 17 de Dezembro de 1663, morreu o maior símbolo da resistência angolana.

Texto elaborado por Kwzola dya Nzambi (*)
No princípio do século XVII, ao mesmo tempo em que Cristina da Suécia foi formalmente nomeada monarca do seu país, outra mulher em Angola, filha do rei Ngola Kiluanje kya Samba, foi também reconhecida como monarca. 343 anos após a sua morte, Angola e o mundo, recordam-na como Rainha Ginga.
Rainha Ginga e os portugueses

Nzinga Mbandi nasceu em 1580, quando Angola começava a ser ocupada pelos portugueses. Os profetas do reino iluminados por Nzambi, vaticinaram, caso ela chegasse à idade adulta e se tornasse rainha, os rios do reino seriam inundados pelo sangue de muitas vítimas. Previram também que a nação seria invadida por homens brancos vindos do mar e que haveria doenças, fome, guerras, tristezas e miséria em Angola por muitos séculos.

Apesar de suas relações com os europeus, Nzinga passou a posteridade como a líder angolana que nunca aceitou a soberania portuguesa. Não aceitava a submissão, não pagava impostos! Os portugueses tiveram de esperar cerca de trinta anos para assinar um tratado de paz com esta poderosa mulher que na História de Portugal ficou conhecida por Ana de Sousa.

Rainha Nzinga Mbandi, também conhecida por Jinga, Singa, e Zhinga, política ardilosa soube conter os portugueses com acordos bem preparados. Empreendeu várias viagens e, finalmente em 1635, conseguiu formar uma grande coligação com estados de Matamba e Ndongo, Congo, Kassanje, Dembos e Kissamas. À frente da poderosa coligação, Nzinga rechaçou os portugueses para posições mais recuadas. Entretanto Portugal fora ocupado pela Espanha, ficando com as terras de além mar votadas para ao plano secundário. Os holandeses aproveitar-se-iam dessa situação e tomariam Loanda em 1641. Nzinga fez dos holandeses seus aliados, aumentando a força da coligação e reduzindo os portugueses a Massangano, praça que estes ocupavam fortemente e de onde partiam esporadicamente para as guerras de Kuata! Kuata! ( captura de escravos).

Os escravos de Angola eram fundamentais para o desenvolvimento da colônia do Brasil e o seu tráfico encontrava-se parado. Em 1648, chegaria do Brasil, uma grande esquadra comandada por Salvador Correia de Sá que retomaria Loanda, provocando a volta maciça dos portugueses. Começa então o declínio da Coligação; a falta do aliado holandês e das suas armas de fogo e a posição de força de Correia de Sá vibraram um duro golpe na moral das forças autóctones.

Introduzida na sala para negociar a paz com o governador João Correia de Sousa, Nzinga olhou ao seu redor e como havia apenas uma cadeira e duas almofadas de veludo franjadas de ouro, sobre uma rica alcatifa, sustendo-se algum tempo, sem proferir palavra, voltou o rosto para uma das suas escravas. Foi esta imediatamente servir-lhe de banco e assentando-se sobre ela, assim esteve todo o tempo que durou a cerimônia.

Da Rainha Nzinga Mbandi aos heróis do 25 de Abril de 1974

Uma única luta contra o inimigo comum: O fascismo!

A colonização dos povos de Angola aconteceu no passado, a partir do século XVI, através de métodos fascistas. Métodos esses repudiados tanto pela Rainha Nzinga e seu povo, como pelo povo português, que durante muitos anos, empenhou-se na luta contra esse sistema feroz. A queda do regime fascista em Portugal, culminou na independência de Angola um ano depois.

“O fascismo significa miséria, opressão, espezinhamento das consciências. Começa por destruir todas as organizações e acaba por tornar-se o senhor absoluto, “integral”, que não respeita ideologias, nem admite divergências. Fere e amordaça, esmaga e assassina. Toda a sociedade, sem exceção, obedece ao seu controle e ao seu domínio. Não existe garantia de qualquer espécie, nenhuma segurança é oferecida aos cidadãos. Os domicílios são violados, os lares constantemente invadidos para as perseguições. O Homem do povo fica reduzido à situação de um animal acorrentado, que não fala, nem pensa, nem escreve, nem trabalha, senão sob o chicote dos seus verdugos. A dignidade humana, a fraternidade, a ligação confiante entre os homens desaparecem. Cada indivíduo vê no seu semelhante um inimigo e um espião que o entregará, na primeira oportunidade, à ferocidade dos governantes. O fascismo é a morte certa para os que protestam. Acima de quaisquer interesses de classe ele é, essencialmente, desumano é anti-humano”.

A luta da Rainha Nzinga, não era contra os portugueses, mas sim, contra o fascismo português implantado em Angola, em forma de colonização.

Rainha Ginga e a Santa Sé

Ginga de Matamba a rainha negra, intercedeu junto do Papa Alexandre VII, para que Angola se tornasse oficialmente, uma nação cristã. Em 1621, a Rainha Ginga de Matamba com uma vistosa comitiva foi então propor a paz, em Luanda. Aceitou certas condições que lhe foram impostas e batizou-se em 1622, com o nome de Dona Ana de Souza, na igreja matriz de Luanda, mas não aceitava a submissão, não pagava tributos. No ano seguinte, moveu ela mesma guerra aos portugueses, depois de ter matado o irmão que assassinara seu filho. Ficou então como rainha dos dois reinos e seus povos. Foi então que ela permitiu que o capuchinho italiano Antônio Gaeta (+1662) morasse no seu reino. Gaeta levou-a a mudar de vida. Contra a vontade dos portugueses, Ginga mandou uma embaixada ao Papa Alexandre VII pedindo o reconhecimento do seu reino. O Papa enviou-lhe uma carta pessoal e outra da Sagrada Congregação da Propaganda Fide com orientações para que seu reino fosse cristão, enviou mais missionários capuchinhos italianos e nomeou o Pe. Antônio Gaeta como prefeito apostólico da Matamba. A carta da S.C.da Prop. Fide contém entre outras uma “proibição aos comerciantes e a qualquer outras pessoas de comprar como escravos os batizados. A..Muaca em “Breve História da Evangelização de Angola.1491-1991″ (Lisboa, Secr. Nac. das Comemorações dos 5 Séculos,1991.p.35).

Rainha Ginga, mulher de fé e oração

A rainha Nzinga Mbandi ou Ginga-Aména (do reino de Matamba), chamada pelos portugueses de Dona Ana de Sousa, ao hospedar os portugueses para com eles ter amizade e comércio, viu-se perseguida de tal forma que levantou as mãos para o céu, e assim, orou à Nzambi:

Jingundu jéza!

mu tambúla

o ’xi iami,

sé kituxi, sé milonga!

Tradução: os inimigos vieram para tomar a minha terra, sem crime, sem causa!

Eis aqui a origem da palavra ngundu, aplicada no passado aos portugueses que colonizaram Angola. Quer dizer, inimigo consumado, traidor.

Rainha Ginga, lembrada da Diáspora Bantu

Na África, como nas Américas, os angolanos resistiram à dominação colonial e à escravidão. Foi uma luta marcada por batalhas sangrentas, negociações, atos heróicos e traições. Nos combates dos africanos contra o colonialismo português, uma mulher, contemporânea de Zumbi dos Palmares, destacou-se como símbolo de coragem e persistência. Ela foi N’Zinga Mbandi, ou Ginga, como ficou conhecida no Mundo, a grande rainha do povo negro de Angola: Rainha Quilombola da Matamba!

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Importantes datas da vida da Rainha Ginga
1580 – Nascimento de Nzinga mbandi

1590 – Participação na batalha de Massangano com o pai Ngola Kiluanje

1617 – Morte do pai, rei Ngola Kiluanje

1621 – Assinatura do tratado de paz com os portugueses

1622 – Baptismo católico

1623 – Inicio do reinado, no Ndongo

1625 – Estabelecimento do acampamento de guerra

1626/40 – Intensas batalhas contra os portugueses, coligação com os reinos da Matamba, Ndongo, Congo, Kassanje, Dembos e Kissamas

1630 – Consegue-se que as lutas tribais acabem, fazendo aliança com o chefe jaga

1641 – Aliança com os portugueses

1645 – A rainha Nzinga cerca os portugueses que se encontravam em Massangano

1647 – Consolidação da tripla aliança Ginga-Rei do Congo-Holandeses

1648 – Derrota os portugueses em Massangano

1650 – Tratado de paz com os portugueses

1651 – Autorização da entrada dos missionários no seu reino

1657 – Assinatura do novo tratado de paz com os portugueses

1658 – Casamento de Ginga com Dom Salvatore

1659 – Ultima batalha vitoriosa de Ginga

1660 – Conversão final ao catolicismo

1662 – Ginga mandou uma embaixada ao Papa Alexandre VII

1663 – 17 de Dezembro de 1663, morre a poderosa Rainha Ginga, com 83 anos de idade

O óbito de Nzinga

Por ocasião das cerimónias fúnebres (tambi) em honra da rainha Njinga (cujo nome cristão era Ana de Souza), em 1663 no reino de Matamba, cerca de 8000 soldados, por cinco dias, participaram de danças rituais que simulavam batalhas conforme a descrição do padre Cavazzi, que assistiu pessoalmente aos ritos:

“ No mesmo instante foi dado o alarme e todos os soldados, com o porte mais feroz que se possa imaginar, começaram a representar as façanhas de dona Ana, imitando-a no assalto, na retirada, na preparação das ciladas, na defesa, na perseguição dos inimigos. Um esquadrão defrontava outro, num arremedo de peleja em que uns fingiam ceder o lugar, outros defendê-lo e outros reconquistá-lo.

Alguns caíam como mortos, outros rendiam-se prisioneiros. Um grupo fugia, depois recompunha-se; outro vencia, outro descansava um bocado. Era tão encarniçada aquela fingida batalha, que qualquer pessoa a teria julgado verdadeira.” João António Cavazzi de Montecúccolo, Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola, tradução, notas e índice do Padre Graciano Maria Leguzzano, Lisboa, Junta de Investigação do Ultramar, 1965, vol II, livro sexto, p. 156. 20 “Eles eram de compleição robusta e sadia, rosto negro, muito ágeis de membros, que ungiam para maior facilidade de movimento. Vimo-lhes as danças originais, os saltos…

A Rainha Ginga foi venerada por muitos seculos pelos angolanos, como ancestral divinizada: MATAMBA – Divindade feminina, senhora dos ventos, das tempestades, guerreira. Luta por tudo e por todos. Não admite ser traída e se for preciso mete-se em luta com homens. O seu espirito continua vivo, entre os angolanos. A capela da Santana (por ela mesma construída) é o ponto de encontro com os vivos que ainda a veneram. No passado, muitos milagres ocorridos na capela da Santana foram atribuidos a intercessão da Rainha Ginga.

(*) Rosário Fernandes é formada em naturalismo e medicinas orientais pelo Stonebridge Associated Colleges da Inglaterra, pesquisadora de medicinas tradicionais antigas e atua na área de medicinas complementares.

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